Há algum tempo urgiu nos EUA um ilusionista. Uma pessoa com um estranho dom de tornar palavras realidade, pensava-se nele como um grande mágico, o novo Holdini, aquele que elevava a mágica a um outro patamar, porém nada disso era a verdade. Ele possuía o dom dos silvertongs, pessoas de voz tão suave e perfeita que podiam, se quisessem e com alguma prática, tornar o escrito em realidade. Porém, ele abusou de seu dom. Com efeitos pirotécnicos e ao som de sua melodiosa voz, trouxe ao mundo as mais diversas criaturas, personagens famosos, coadjuvantes ou simplesmente alguns que nunca havia se ouvido falar. Não havia distinção.
Heróis e vilões, mitos fantásticos e personagens históricos, deuses. Todos passaram a aparecer em seus palcos levando-o rapidamente a um caminho vertiginoso em direção à tão sonhada fama. Contudo, paralelamente aos seus cartazes de shows cada vez mais elaborados, notícias estranhas de desaparecimento borravam aquela glória. Dizia-se que durante as aparições fileiras inteiras da plateia sumiam, testemunhas afirmavam ter perdido entes queridos que em um momento seguravam sua mão, no outro não existiam mais. Inquéritos policiais foram abertos, as apresentações, suspensas, mas nada fora provado e, sem provas, as apresentações continuaram com um mistério ainda maior.
Anos se passaram, sem muita fama - não como antes - ser atribuída ao "ilusionista", então, como uma fênix a renascer das cinzas ele anunciou um último show, no qual prometera trazer os céus, Deus e todo o Seu exército celestial. Assim bem como traria Lúcifer e todos os demônios e renegados. Então o show começou.
Com um ar sombrio e lúdico, as luzes foram postas numa bíblia que parecia datar dos primeiros tempos, o palco estava apagado, exceto por uma luminária que permitia aos espectadores verem somente o antigo livro. Então os tambores começaram a soar, como em um antigo ritual, um há muito esquecido.
- E que comece o espetáculo! - bradou a voz conhecida do ilusionista. E, como ele havia pedido, o show começou.
Primeiro vieram as apresentações, aquele prelúdio do que estava por vir, as luzes, os efeitos, as lutas celestiais encenadas com maestria. Então veio a fumaça, enquanto o Livro parecia suspenso no tempo e espaço, pairando num canto somente a ele reservado e, como se nem houvesse começado, a música cessou, o silêncio pairou no ar como uma nota estendida do mais belo som e se pode ouvir de qualquer lugar do teatro e do quarteirão inteiro as palavras a proclamar os anjos, então os próprios tomaram formas, primeiros feitos somente de luz, depois tomaram forma quase humana. Os demônios também surgiram e fora somente o breve momento de confusão entre ambas as partes que evitou o apocalipse. Aquele local era território desconhecido a eles, assim como para todos os personagens sugados de seus livros. Não houve testemunha que presenciasse a chegada de Deus, nem sequer houve quem noticiasse sobre o homem que os deu vida. Nenhum ser humano deixou o teatro, homens, mulheres e crianças foram engolfados pelo livro sedento de criaturas que pudessem ocupar os espaços vazios deixados. Então sobrou somente o mistério, a dúvida aos mortais, a confusão às criaturas, a barreira entre o imaginário e o real já não existia, até mesmo localidades ditas mitos foram trazidas para a realidade mundana. E agora restava somente a pergunta: afinal, o que é real?